Rejeições, criança ferida, traumas do passado...
Acredito que um dos traumas mais difíceis de superar seja a ausência (física ou emocional) da mãe em nossas vidas, embora para a mulher, na maioria das vezes a ausência do paterno tenha um peso maior. Enfim, ficamos meio que incompletos, buscando algo que possa preencher um vazio que representa essa lacuna em nossas vidas.
Muitos homens casam e transferem para a esposa esse papel fundamental na trama da sua vida, mas é óbvio que isso tem grandes chances de dar errado, pois a mulher não arrumou um filho para se casar e sim um homem que deve assumir o papel lhe cabe. Se negando a fazê-lo, os filhos chegando o obrigarão a assumir o seu papel na marra.
Como um observador do ser humano que sou e também como alguém que viveu em profundidade a ausência de ambos os genitores, sofro conscientemente com a questão, mas também não deixo de perceber uma sociedade em boa parte imatura talvez presa no passado, nas experiências não vividas e com profundas cicatrizes transformadas em grandes ressentimentos por aqueles que, em nossa visão, propositalmente, nos deixaram no abandono até hoje não superado.
O grande paradoxo é que nós, seres humanos, muitas vezes, fazemos sofrer nossos filhos amados os mesmos abandonos a que a que fomos relegados no passado, mas, ainda assim, algumas vezes, estamos tão preocupados com nossas lacunas emocionais que não vemos com clareza o equívoco que estamos cometendo agora.
Imaturidade básica, fixação patológica no passado, cristalização em certos episódios traumáticos do pretérito que, inconscientemente, acaba nos prendendo numa teia que se torna uma prisão para nós. E o pior de tudo isso é que, muitas vezes, não fazemos muito esforço para sair dessa prisão e ficamos emocionalmente imaturos, vivendo os episódios da infância distante.
Nossos pais talvez tenham vivido as mesmas experiências interpretadas como abandono ou rejeição e as repetiram na vivência conosco não porque quisessem deliberadamente nos fazer sofrer, mas porque eles mesmos não tinham condições de dar mais do que deram. Pessoas limitadas que eram (ou são) acabaram cometendo os mesmos erros do seu passado distante com seus filhos.
Mas é bom considerar que eles viveram num tempo em que reinava a desinformação, onde a ignorância era enorme e pouco se sabia sobre as questões humanas, embora essas mesmas questões estejam presentes hoje e estarão conosco sempre. Por mais que a tecnologia nos traga mais esclarecimento hoje em dia, as questões que envolvem os seres humanos são sempre as mesmas.
E nós? Será que podemos cometer os mesmos erros dos nossos pais?
Se nos tempos dos nossos pais pouco se sabia da psicologia humana, hoje temos centenas de livros gratuitos sobre o tema, vídeos muito esclarecedores, podcasts e muitas outras coisas. É verdade que ainda necessitamos, e muito, da ajuda dos analistas, psicólogos etc para entender essa intrincada relação com passado que muito nos faz sofrer. Na maioria das vezes, só vamos sair dessa teia com ajuda profissional.
E a pergunta volta: Será que podemos cometer os mesmos erros dos nossos pais, mesmo com tantas informações disponíveis?
Geralmente, a vida nos responde de acordo com a capacidade de compreensão que temos para entender os eventos que nos cercam. Então, se erramos conscientemente com relação aos nossos tutelados, as consequências poderão advir na forma de culpa e da possível reparação do erro cometido. E quanto mais protelamos a reparação do nosso erro de agora, mas acumulamos sofrimento em nossas vidas, pois os sofrimentos do passado se juntam aos oriundos dos equívocos do presente.
Mas se estamos vendo apenas os nossos problemas do passado e nos esquecendo de ver as questões que envolvem as relações com nossos filhos e familiares de agora, talvez ainda estejamos com o foco muito voltado para o nosso umbigo e a situação pode ser ainda mais grave, pois ainda não conseguimos transcender nosso ego e vemos a vida de um ponto de vista muito individualista.
Mas isso é muito comum nos dias atuais!!
Podemos até tentar fugir da realidade fazendo essa afirmação óbvia, mas isso não muda a realidade: ESTAMOS AGINDO DE FORMA NARCISISTA E NÃO VEMOS NADA ALÉM DAS NOSSAS QUESTÕES!
O grande paradoxo desse processo de "humanização do ser humano" é que buscamos fugir da nossa realidade existencial de várias formas, sendo o individualismo apenas mais uma forma de fuga da realidade. E tudo isso acarreta mais sofrimentos desnecessários na nossa já conturbada existência.
É o sofrimento do sofrimento o qual se referia Sidarta Gautama, o primeiro Buda. Ou seja, nós buscamos sofrimentos desnecessários na tentativa de fugir do sofrimento. Bem complexo né! Mas tudo isso é um caminho que trilhamos e até os equívocos redundam em aprendizado.
Mas, voltando às relações humanas: se no passado fomos parar numa família sem afetividade, por nosso próprio mérito, pois nada acontece por acaso, hoje temos condições de viver esse afeto com a família que temos agora, com as relações que travamos agora e nas condições que temos agora.
Reviver o passado é impossível, mas ressignificá-lo é fundamental para que possamos seguir em frente e crescer como ser humano, apesar de tudo. Ficar preso na criança ferida do passado é sofrer inutilmente e tentar atrasar a marcha do progresso que é inexorável, sendo ele uma lei da vida que é, por isso mesmo, impossível de ser contido.
A gente vai progredir de qualquer maneira. Com mais ou menos sofrimento é uma questão de escolha. Então, vamos buscar viver as experiências de agora o melhor que pudermos, pois é a escolha mais racional que podemos fazer.
O passado deve ser visto com os olhos da compreensão, da empatia como se fosse nós em lugar dos nossos pais. Nada foi planejado da forma que aconteceu, mas as coisas se deram de acordo com as limitações dos seres humanos envolvidos na trama da nossa existência. Tudo pode e deve ser modificado agora e só depende de cada um de nós.
Que cada um de nós tenhamos êxito na resignificação desse passado tortuoso e que sigamos em frente aprendendo sempre.
O amanhã está sendo construído agora...
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