Matheus, o filho pródigo.
A família Alves é uma típica família de classe média que tem orgulho do extremo conservadorismo que a caracteriza. Assim, entre os cônjuges, são comuns assuntos que reforçam essa posição:
Você viu aquela garota vestida feito homem na igreja? O padre tem que tomar uma providência e não permitir esse tipo de coisas na igreja.
Algumas das minhas amigas até foram falar com ele, mas ele preferiu contemporizar. Afinal, o pai da garota é um dos maiores beneméritos da igreja.
Mas isso não vai ficar assim. Nós vamos insistir para que ele faça alguma coisa. A igreja não pode fazer concessões nesse sentido.
Com três filhos, os Alves vivem uma vida apertada no aspecto financeiro, mas tranquila no familiar. Pelo menos é assim que eles vêem as coisas.
Porém, Matheus, o caçula da família, começa a apresentar aspectos comportamentais que incomodam vizinhos e confrades da igreja. Ouviam-se cochichos do tipo:
Esse filho do Bartolomeu Alves é meio afeminado. Vocês não acham?
Com certeza vai ser viado quando crescer.
Eles falavam de um menino de 12 anos que já começaria a sentir o peso de ter nascido num ambiente tão hostil. Em casa, mãe e pai já eram pura indignação, pois já estavam cientes das fofocas da igreja, pois eles faziam questão de estar por dentro de tudo.
Foi uma "amiga" que lhes confidenciara:
Estão todos (inclusive ela) falando dos trejeitos do filho de vocês.
Mas nosso filho é normal. Não há nada de errado com ele.
Mas eles o acham um tanto "delicado".
"Cobras venenosas"! Disse o marido entre dentes.
Bartolomeu e Rosana não eram muito afeitos ao diálogo com os filhos e não queriam conversar um assunto tão espinhoso com o Matheus, pois, inconscientemente temiam as consequências.
Muitos "amigos" se afastam e eles passam a ser discriminados na igreja. Até que, anos depois, o filho, já com dezoito anos decide falar com os pais:
Por que vocês nunca falam sobre sexo ? Será um assunto proibido nessa casa?
O que é isso filho? Está querendo nos afrontar ?
Não pai. É que eu cansei de enfrentar os preconceitos sozinho. E sei também do preconceito que existe nessa casa.
Essa conversa não vai dar bons resultados. Acho bom pararmos por aqui.
É sempre assim. Eu sei que vocês têm o mérito de lutar contra os próprios preconceitos, mas não aceitam conversar para tentar se libertar deles.
Nós já fizemos muito em aturar perseguições e fofocas durante anos na igreja. E tudo por sua causa. Por que nos deu esse desgosto filho?
Estamos parecendo uma família de leprosos, pois todos se afastam da gente por sua culpa.
Então eu ainda tenho culpa dos preconceitos de vocês? Quem é preconceituoso é que deve trabalhar isso dentro de si.
Você tem que agradecer ao padre José. Se não fosse ele, você nem estaria mais debaixo do nosso teto. Nós aguentamos tudo por anos graças ao apoio do padre. Mas agora recebemos como "prêmio"a sua ingratidão.
Eu só queria uma família normal e menos preconceituosa. Se isso é pedir muito, estou comunicando que estou de malas prontas.
Mas filho, não precisa se precipitar. Você pode terminar a faculdade primeiro. A mãe não queira que ele fosse.
Já arrumei um emprego e vou morar com uns amigos. Só para constar: todos são gays como eu. E não guardo mágoas de vocês. Apesar de tudo.
Os anos se passaram e Matheus tornou-se bem sucedido na área de design de moda. Dificilmente via a família até que soube das dificuldades que passavam pela mãe.
Em 2020 o pai perdeu o emprego pouco antes de se aposentar e a situação estava difícil, pois tinha a prestação da casa para pagar. Os irmãos de Matheus não tinham condições de ajudar, pois eles também pagavam apartamentos financiados.
Apesar do orgulho do pai, a mãe foi conversar com o filho, que até então, não sabia da situação:
Após os comprimentos e mil pedidos de desculpas a mãe foi ao ponto que interessava:
Seu pai perdeu o emprego e agora estamos com a prestação da casa atrasada. Podemos até perdê-la se não regularizarmos a situação.
Calma mãe! Vou ajudar vocês a quitá-la de uma vez.
Você é um anjo meu filho! Desculpe o nosso modo de pensar. São equívocos que aprendemos de geração para geração. Felizmente vem alguém como você para quebrar esses grilhões que nos atam a conceitos falsos e arraigados.
Que bom mãe que você reconhece isso. Já é o começo de uma mudança de mentalidade. E quanto a meu pai?
Aquele é muito teimoso. Se houver reencarnação, ele ainda demora alguns séculos para mudar algumas das suas concepções.
Matheus, apesar dos pesares, era grato aos pais. Eles encararam o preconceito deles e da comunidade durante anos. Isso não era pouco e eles fizeram o que puderam dentro das suas limitações para protegê-lo.
E a vida seguia calma, apesar da pandemia e Matheus ajudava os pais com a complacência da mãe e orgulho descabido do pai.
E assim, todos vão vivendo. Não felizes para sempre, pois aqui é vida real, não conto de fadas.
E você? Já viu alguma história parecida com a do Matheus?
Bom dia!
Francisco Lima

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