E se eu ganhasse na Mega-Sena?



Ficar rico sempre foi uma obsessão para mim. Por isso, tentei continuamente a sorte nos jogos oficiais patrocinados pela Caixa Econômica Federal. Embora soubesse das probabilidades mínimas de isso acontecer, sempre fazia minha “fezinha”. 


Para aumentar minhas chances de êxito, lançava mão de mandingas e superstições as mais diversas. Nas minhas orações, nunca me esquecia de colocar esse pedido para meus santos prediletos. Os espíritos, os orixás e toda a trupe do além e do aquém também eram convocados para que eu lograsse meu objetivo o mais rápido. Minha mulher não acreditava em semelhante possibilidade e sempre reclamava dos gastos cada vez maiores com esses jogos que, para ela, eram jogos de azar. 


– Deixa de ser besta, homem de Deus! Para que gastar dinheiro com essas bobagens? Não conhecemos ninguém que tenha ganhado!


 – Espere e um dia você me verá milionário!! – eu sempre retrucava. 


– Você está ficando viciado nessas coisas – dizia ela. – A cada semana um jogo novo: é quadra, é quina, é sena, Mega-Sena e sei lá o que mais. Você vai é ficar louco com essa obsessão.


 – Não vou dar atenção para o seu pessimismo, pois tenho convicção de que o meu dia está chegando. 


Anos se passaram e nada acontecia. Continuava jogando nas várias modalidades de jogos que tivessem as tais das cartelinhas de números e entrava em bolões nos mais diversos grupos: de amigos, de trabalho, de vizinhos, de pinguços, de familiares e da própria casa lotérica onde sempre realizava meus jogos.


 É importante que se diga uma coisa: a casa lotérica tinha que ser sempre a mesma, pois senão quebrava o pacto que eu fizera com os seres deste e do outro mundo, que estavam de prontidão para ajudar no meu intento, na hora aprazada. E ninguém poderia saber os meus números, que eram uma particularidade minha e daqueles que estavam “trabalhando” comigo. 


Um dia acordei com a sensação de que era chagada a hora. 

– Hora de morrer? 


– Poder-se-ia perguntar.


 – Nada disso! – digo para mim mesmo.

 – Hoje vou ficar milionário. 

Os amigos do além estão falando que a minha hora chegou. 


A ansiedade tomou conta de mim e não via a hora de acompanhar o sorteio da Mega-Sena. Tinha a nítida sensação de que iria conseguir. Foram trinta e poucos anos de expectativa e eu sentia que, finalmente, ia levar essa bolada. 


Liguei a televisão uma hora antes do horário previsto para o sorteio, e os minutos me pareciam séculos. Meu filho mais velho chegou em casa e eu, mais do que rapidamente, pedi para que ele saísse, pois eu precisava ficar sozinho. Minha mulher tinha saído para o shopping, a meu pedido. Somente eu e meus “aliados” sabíamos que era chegada a hora. Outras pessoas poderiam estragar tudo e meu sonho, virar um grande pesadelo. Estar só em casa fazia parte de um planejamento que, embora não expresso, era parte daquele ritual. 


O tempo passou com a lentidão de um jabuti e a hora tão esperada chegou.


 – Chegou a hora! É agora!!!! – falei alto comigo mesmo.Ia começar o tão esperado sorteio e não me aguentava de tanta ansiedade. O locutor ficou enrolando e eu gritei: 


– Vamos logo com isso, homem! Não vê que estou aqui quase enfartando? 


Mas o cara não me ouviu e ainda ficou enchendo linguiça por intermináveis minutos. Finalmente, ia começar. 


O locutor começou a falar os tão almejados números. Não acreditei: acertei o primeiro número, o segundo, o terceiro número... 


Será que minhas previsões irão realmente se confirmar? Ainda tive uma ponta de dúvida, de insegurança. 


– Pense positivo, pense positivo! – repetia para mim mesmo, como um mantra. 


E continuou o sorteio. Acertei também o quarto, o quinto e... 


– Me segurem que eu vou desmaiar! – gritei.


 – É muita emoção para um só momento. Fiquei desnorteado, andando de um lado para o outro, feito um louco, dando voltas pela minha sala. 


Após segundos de extrema loucura, ouvi o locutor anunciando o sexto número. 


– Acertei – gritei, a plenos pulmões, dando saltos, feito louco. 


Derrubei, de propósito, objetos de vidro e porcelana que estavam sobre a estante. E continuei gritando, surtado: 

– Estou rico! Milionário!


Alguns minutos depois, já mais refeito, me dei conta da realidade. Parei de gritar para não alardear os vizinhos, porém não sabia qual o próximo passo a dar. Aquela euforia louca, que tomara conta de mim, foi finalmente controlada. 


Comecei a pensar em ligar para todo mundo e contar a novidade. Peguei no telefone, comecei a discar, mas pensei melhor. Não podia espalhar a novidade, senão todos iam querer um pedaço da minha fortuna. Ganhei R$ 100 milhões, mas era um dinheiro que acabaria num piscar de olhos se resolvessem me pedir ajuda. 


Pensei um pouco mais no que fazer. Morar em Paris? Não. Talvez Nova York fosse melhor, talvez Londres ou, quem sabe, numa cidade pequena nos confins do mundo, onde ninguém mais me encontrasse. 


Não me decidi quanto a isso. Devia pensar melhor no que fazer. Comprar uns carros blindados, construir um castelo também à prova de balas, viajar pelo mundo. Quem sabe eu poderia conhecer Marte? Sempre quis conhecer outros planetas; talvez agora eu pudesse fazer isso. Pensando melhor, talvez o dinheiro não me desse esse poder todo. 


Continuei sem saber como proceder... De uma coisa, porém, estava certo: não iria contar o fato para ninguém. Isso seria minha ruína financeira. Nas primeiras horas, não queria contar a novidade nem para minha mulher, com medo de que ela falasse para alguém. Sabe como é, né? Mulher não consegue segurar a língua. 


Refleti mais um pouco e contei-lhe a novidade. Mas fi-la jurar que nada falaria para ninguém. Nem para meus filhos. Se tal ocorresse, eu sumiria e eles não teriam mais notícias minhas. Uma grande aflição começou a tomar conta de mim. A síndrome do pânico, o medo da violência, o olho grande dos vizinhos e perseguições que jamais passaram pela minha cabeça. Comecei a imaginar que haviam me sequestrado e que eu estava sendo torturado. No auge do desespero, acordei. Dei-me conta de que tudo não pas

sara de um grande pesadelo e me senti grandemente aliviado por isso.

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