Retrato de uma família complexa.
Ao renascer somos atraídos para o ambiente de que necessitamos, mesmo que isso fira o nosso orgulho e nos cause sofrimento e dor. Há "famílias"que talvez não devessem merecer essa designação tão nobre e clássica, mas tal conceito é ao mesmo tempo abrangente e totalizante que o nome família, em si mesmo, talvez não represente a mesma coisa ou tenha a mesma importância para todos os membros de uma prole.
Assim, meus irmãos e eu não somos exceções e nascemos dentro de contexto complicado, num ambiente extremamente árido de afeto, de diálogo, de compreensão, de cultura e de muitos eticeteras, mas eu não estou aqui para reclamar de semelhante circunstância.
- Mas qual o seu objetivo então meu caro?
Qualquer um com o mínimo de curiosidade poderia querer entender o objetivo dessa minha nova divagação navegando pelo passado em comum entre meus irmãos e eu. Refletir e compreender um pouco de tudo o que se passou, eis um dos meus objetivos, sempre considerando que o acaso não existe e que nascemos num ambiente de acordo com nossas necessidades espirituais.
"Nossos genitores" ou aqueles que, pelo menos, nos deram a oportunidade de renascer eram pessoas extremamente limitadas que carregavam profundos traumas que lhes geraram inúmeros desequilíbrios, se materializando numa relação extremamente complicada de dois espiritos que caminhavam em sentidos opostos.
Sendo pessoas com pouquíssimas compreensão das leis que regem a vida, faziam o que podiam, mas o relacionamento deles era conflituoso em demasia e, olhando para trás, penso que faltou coragem para ambos de romper com uma relação tão doentia que só causava sofrimento às crianças e a eles mesmos. As brigas eram constantes e por quaisquer motivação banal e não havia compreensão de lado.
Mas a vida, que sempre faz tudo certinho, deu um jeito de os "aproximar", reduzindo danos sabiamente para corrigir os erros do passado nefasto. Meu pai ficou doente e teve que ser "cuidado" pela "esposa" que lhe desprezava na sua última década de existência reduzindo um pouco os conflitos daquela convivência forçada e extremamente conflituosa, mas que poderia ter sido um pouco mais facilitada com um mínimo de maturidade de uma ou outra parte.
Meu pai tinha uma baita sensibilidade espiritual e ao mesmo tempo uma enorme ignorância a respeito do assunto. Hoje posso afirmar que era um medium de grande potencial, mas que parecia desconher tudo o que se passava com ele, pois essa abertura para o plano espiritual lhe causou grandes desequilíbrios e ele sempre temeu ser internado num manicômio, pois interpretava como loucura as visões e audições espirituais que lhes eram habituais, mas que lhe causavam imenso pavor.
Até hoje me ponho a refletir sobre os casos de mega potenciais mediúnicos em pessoas extremamente ignorantes e até mesmo céticas ou descrentes na vida após a morte. Alguns, como meu pai, temem os seres espirituais que vêem e ouvem e correm deles como se estivessem fugindo de um cascudo de uma criança maior que elas. Ou seja, são crianças emocionalmente, pois os traumas as deixaram presas no passado, mas assumiram as responsabilidades da vida adulta sem o devido equacionamento desse passado conflituoso.
A mediunidade do meu pai, como dito acima, potencializava seus constantes desequilíbrios e ele, algumas vezes, mostrava-se uma criança profundamente ferida, medrosa e desprotegida, mas, infelizmente, na maioria das vezes, seu desequilíbrio o deixava profundamente violento com um grau de sadismo inacreditável, pois tinha prazer em espancar alguns dos filhos até quase matá-los.
E pelos depoimentos que ouvi dos meus irmãos mais velhos, não era apenas ele que tinha e expressava esse prazer mórbido com o sofrimento dos filhos: Ela o provocava fazendo queixa dos filhos até a sessão de espancamento começar. Depois se ausentava por horas como se nada tivesse acontecendo.
Disse que alguns dos filhos sofreram mais com esses extremos abusos físicos porque viveram a fase mais delicada e mais conflitiva da tumultuada e doentia convivência do casal. Meus irmãos: José e eu eramos mais comedidos e faziamos de tudo para evitar a pancadaria, mas os motivos não precisavam existir para que tal acontecesse e, desse modo, naquele finalzinho dos anos 70 e princípios dos anos 80, as dezenas (talvez centenas) de sessões de pancadaria aconteceram conosco pelas motivações mais diversas, mas ainda não entendianos que a razão por trás de tudo era o relacionamento mega conflituoso do casal e uma possível (ou mesmo provável) manipulação das circunstâncias por parte da minha mãe que enchia a cabeça do homem já cansado e estressado com as mais diversas queixas (quase sempre sem nenhum fundamento), talvez para que ele gastasse toda sua energia, dormisse logo e não lhe importunasse a procurando na cama.
Eu me sentia um lixo, pois não conseguia fazer nada para evitar aquela situação escabrosa (para dizer o mínimo) e o adolescente com baixíssima autoestima foi moldado nesse ambiente doentio. Obviamente, não posso dimensionar o quanto isso afetou meus irmãos, mas, mesmo que não tenham muita consciência disso, creio que ninguém sairia incolome de semelhante situação.
Falei de dois irmãos que viveram essa fase horrível passando ambos pela adolescência, mas havia um pré adolescente que sempre foi um menino cheio de energia, levado, "diferente um pouco de nós" e que fazia as travessuras que qualquer outra criança com suas características era capaz de fazer. Pois esse menino foi tão maltratado e sofreu abusos inacreditáveis, que de tão horrendos talvez não sejam relatados em minuncas aqui. Ele é, sem dúvidas, um sobrevivente, um caso à parte.
Estou me referindo ao meu irmão TAS, vamos chamá-lo assim, pois ficaremos mais à vontade para falar. TAS sempre foi diferente, pois era bem moreninho parecendo um indiano diferente de todos os filhos do casal que eram brancos e louros em sua maioria. TAS sempre foi tratado como um filho espúrio de uma "imaginaria traição". Era o tempo todo discriminado, chamado crioulo, macaco e outros adjetivos inomináveis saídos da boca de um pai que abrigou em sua mente as possíveis maquinações das forças espirituais maldosas que lhe atiçavam as desconfianças dia após dia.
Esse menino, no final da década de 70, ainda era uma criança, mas era espancado quase todos os dias. O fato de ser diferente, as possíveis manipulações maternas, as coisas que ele aprontava. Os motivos (reais ou inventados) pareciam ser muitos e ele sofria constantes sessões de torturas e espancamentos, infinitamente mais do que eu e meu mano José, principalmente por uma das razões que, à época, eu ainda desconhecia, mas que soube bem depois.
O controvertido caso do "seu Chico"
O senhor Chico ou "Seu Chico como foi mais conhecido era um homem simples, negro e prestativo que viveu na casa dos meus pais antes do nascimento de TAS. Esse homem, segundo depoimentos da minha mãe, era compreensivo e lhe deu muito apoio material e emocional enquanto meu pai esteve ausente por meses a trabalho nos finais de 1966 e começo de 1967.
Ao voltar, meu pai foi manipulado por inúmeros rumores de uma suposta traição da sua mulher e com Seu Chico e o serviçal boa gente e pacífico teve correr muito para não ter seu pescoço decapitado por uma foice nas mãos de um desequilibrado, totalmente surtado e sem a menor noção do que estava prestes a fazer.
Ainda bem que que o Seu Chico foi mais rápido!!
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