Lembranças



As fotografias ativam as lembranças do passado, especialmente os episódios que marcaram nossa vida em determinados momentos retratados nelas. Infelizmente, as lembranças tristes também emergem nesse recuo ao passado, mas é bom olhar para trás com intenção de aprendizado, vendo os episódios sob outra perspectiva levando em conta que também podemos crescer com essas dificuldades.

Um jovem de óculos, vestido todo de branco tendo a seu lado a irmã que completava 15 anos e atrás seu irmão ligeiramente mais novo. O ano era 1986 e foi ele marcante em vários aspectos, mas voltarei a esses detalhes depois. A roupa branca do jovem Francisco lembra a influência do anjo negro da sua vida, Paulo Escurinho que gostava de ir trabalhar de branco às sextas-feiras. Comprou seu traje branco e, eventualmente, fazia o mesmo ritual. 


O amigo Paulo foi fundamental em sua vida e lhe deu orientações pontuais em momentos fundamentais da sua conturbada existência. Lhe pediu para voltar a estudar quando havia abandonado a escola pois trabalhava até tarde para ganhar um dinheirinho a mais. Esse irmão do coração foi responsável também pela sua permanência na empresa onde trabalhavam, a Embratel, quando Francisco completava 18 anos e a ele só cabia se livrar do serviço militar o mais rápido possível para que esse objetivo fosse alcançado.


A foto retrata uma fase em que emprego(algo muito difícil de conseguir na época) já não era um problema para Francisco que ainda permanecia na grande empresa e poderia evoluir lá dentro de acordo com seu desejo de crescer. Paulo (mais uma vez ele) o ajudou nesse sentido no ano de 1987 que foi propício para a essas mudanças.


Mas, voltemos ao difícil ano de 1986: seu amigo Renato sempre ia à sua casa aos sábados e não raras vezes lhe encontrava tirando um cochilo depois do almoço, pois no sábado o cansaço da semana de trabalho batia forte. Quando  começava a sua pestana, lá estava ele lhe convidando para dar um rolê pelos arredores do Bom Pastor, bairro onde Renato morava ou mesmo para irem a alguma festinha familiar onde, invariavelmente, chegavam como penetra e sem nenhum constrangimento por isso. Renato era alguém muito presente, sendo o único que conhecia um pouco do taciturno e fechado jovem que não se abria com ninguém. Mas uma tragédia aconteceu com Renato dois anos depois, mas  não vamos falar sobre isso agora.


Mas o ano de 1986 seguia cheio de acontecimentos relevantes e as experiências familiares continuavam repletas de episódios traumáticos motivados muitas vezes pela imaturidade de pais e filhos , especialmente dos primeiros) que jamais dialogavam sobre coisa alguma. 


As eleições estavam próximas e despontaram dois nomes como candidatos principais: Moreira Franco (corrupto notório) e Darcy Ribeiro (educador muito conhecido). Chico votaria no candidato do PT, Vladimir Palmeira, pois desde sempre votou na esquerda, mesmo ainda não tendo a noção do significado de ser de direita ou de esquerda. Mas, não vamos entrar nesse mérito.


Francisco e seus irmãos viviam uma vida conturbada com seus genitores,   especialmente a agressividade do pai se tornava uma problemática cada vez mais complexa, pois os filhos já haviam crescido, mas ele não se dignava a tratá-los com respeito se arrogando ainda o "direito" de bater caso surgisse a menor contrariedade. Francisco era um jovem revoltado e rebelde por causa dessa "criação" tresloucada e como ele seus irmãos também sofrem ainda hoje o efeito desse estado de coisa.


Mas, voltando às eleições: seu pai votaria em Darcy Ribeiro, pelo que pode entender, mas queira que ele dissesse em quem ia votar e Francisco se negou veementemente a fazê-lo. O velho já estava meio alcoolizado e lhe deu um chute no traseiro ( que não pegou direito) lhe causando imensa revolta. Francisco pensou em voltar e enfrentá-lo fisicamente, mas se conteve, deixando para depois. Tudo ia ficando pra depois, se acumulando, causando dor. 


Depois desse dia fatídico, Francisco dormiu cerca de duas semanas fora de casa. Pegou umas três mudas de roupa e foi se virando como podia dormindo no chão frio sem nenhuma cobertura da casa do seu amigo Renato. Foram dias muito difíceis que o só o orgulho e a teimosia de Francisco lhe deram forças para suportar.


Quando voltou para casa a pedido da mãe, Francisco estava disposto a não falar mais com o pai e a enfrentá-lo em caso de necessidade, pois o medo já havia se transformando em revolta há muito tempo. Alguns dias depois, o pai tentou peitá-lo,  pois não admitia dentro de casa filho que não lhe tomasse 'bença" (tomou hojeriza dessa palavra e nunca mais tomou bença a quem quer que seja). 

O clima ficou tenso e hostil e foi a oportunidade para que da sua boca saíssem todas as palavras que estavam guardadas, engasgadas há quase duas décadas. O jovem lhe disse tudo e muito mais deixando também claro que não lhe tinha mais medo. Resultado: passou a ser mais respeitado, mas se sentia muito desconfortável naquele ambiente e sair de casa passou a ser uma aspiração, uma urgência mesmo.


Todas essas lembranças lhe e vieram à mente só de olhar para uma fotógrafa de 1986 e o relato aqui foi um resumo, um breve recorte de alguns episódios de um ano específico, mas que daria para escrever um livro só desse ano e vários se considerarmos os períodos da infância e adolescência. 

Mas será que alguém se interessaria em conhecer essa história complexa, mas nada incomum? 

- Não podemos saber....


Mas, vamos parar por aqui e tentar a difícil tarefa de olhar esses episódios como aprendizados.



 

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